16° Newsletter de Economia da Saúde – Três décadas da criação do SUS – A maior política de inclusão social do Brasil

 

 

Veja os avanços que o sistema passou e de como Economia da Saúde está relacionada ao maior sistema de assistência em saúde do mundo

 Texto e arte: Marina Sousa IPTSP/UFG

 O aniversário de criação do Sistema Único de Saúde (SUS)  é celebrado no dia  19 de setembro,  data de promulgação da  Lei nº 8080 de 19 de setembro de 1990 . Essa Lei regulamentou o Sistema Único de Saúde (SUS), cujos princípios e diretrizes foram consignados na Constituição Federal (CF) de 1988, promulgada em 5 de outubro daquele ano. Há os que preferem considerar essa última data, como aquela de criação do SUS.

Na CF de 1988, a saúde é considerada direito de todos e dever do estado, a ser garantida por políticas sociais e econômicas – denotando a preocupação com  a interação entre saúde e condições de vida – e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, art. 196°). O artigo 197° da CF estabelece que as ações e serviços de saúde são de relevância pública e o 198°, que dá as diretrizes para a organização das ações e serviços públicos de saúde, já estabelece que tais serviços integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado sob as diretrizes de descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e participação da comunidade. Ou seja,  esse artigo já define as características organizacionais fundamentais do novo sistema regulamentado em 1990.

Controvérsia à parte, desde sua criação  o SUS vem promovendo o acesso à saúde para milhões de brasileiros. Há mais de três décadas, esse sistema tem implantado no país medidas para expandir o acesso  a bens e serviços de  saúde, como medicamentos, vacinas, consultas, cirurgias, atenção psicossocial, doação de sangue  entre outras importantes ações.

Antes de 1988, o sistema público de saúde do Brasil apresentava segmentação institucional e de clientela: de um lado havia o sistema patrocinado pela Previdência Social que proporcionava assistência médico-hospitalar à população vinculada ao mercado formal de trabalho, incluídos aí os servidores públicos e, de outro, o sistema integrado pelo Ministério da Saúde (MS) e pelas secretarias estaduais e municipais de saúde (SES e SMS), dedicado às funções típicas de saúde pública, como vigilância, controle de doenças transmissíveis, vacinação e a algumas ações de assistência médica para a população não vinculada ao sistema previdenciário.

Uma parcela da população, com maiores recursos financeiros, pagava por serviços privados. O segmento mais pobre dependia de serviços assistenciais restritos oferecidos pelo Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais, além de entidades filantrópicas.

Hoje, a maior parte da população depende do SUS. De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em convênio com o Ministério da Saúde, no ano de 2019, sete em cada dez brasileiros, ou mais de 150 milhões de pessoas dependem exclusivamente do SUS para tratamentos de saúde.

 

Três décadas de contínuo desenvolvimento

Para Sérgio Francisco Piola, vice-coordenador do curso de Especialização em Economia da Saúde da UFG e MS, e consultor do Ipea, o Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo após mais de trinta anos de existência, continua em processo de evolução. Ele destaca uma série de avanços significativos, como a expansão dos serviços de atenção básica em saúde, o crescimento do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e o acesso a medicamentos de alto custo. Além disso, menciona melhorias no sistema nacional de transplantes, onde a maioria das cirurgias é custeada com recursos públicos, assim como na provisão de 90% das hemodiálises para pacientes com doença renal crônica. Destaca também o sucesso do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que alcançou em média 85% da população-alvo em 2015.

Piola ressalta a resiliência do sistema em superar desafios, especialmente durante a recente pandemia de Covid-19, que trouxe dificuldades como o represamento de atendimentos e a desorganização de serviços. No entanto, destaca que há importantes desafios pela frente, principalmente relacionados aos impactos duradouros da pandemia sobre a saúde da população e o funcionamento do sistema. “Isso inclui a necessidade de lidar com a escassez crônica de recursos para a manutenção do sistema e para investimentos na expansão de serviços mais especializados”. Piola também ressalta a importância de uma abordagem mais cooperativa e solidária entre as diferentes instâncias de governo.

O pesquisador argumenta que a constitucionalização do SUS foi resultado de uma série de iniciativas que se desenvolveram a partir da segunda metade dos anos 1970, tanto no âmbito institucional quanto político e das organizações da sociedade. Ele relembra as propostas de reorganização do sistema público de saúde a partir de 1976, que visavam principalmente melhorar a coordenação entre os Ministérios da Saúde e da Previdência Assistência Médica da Previdência Social no nível federal, além de promover maior desconcentração e descentralização da gestão para Estados, Distrito Federal e Municípios.

Parte integrante desse movimento, destacam-se iniciativas-chave, como o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) de 1976, o Plano de Reorientação da Assistência à Saúde na esfera da Previdência Social, conhecido como Plano do Conasp, em 1982, e o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-Saúde) de 1980 e 1981, que, lamentavelmente, não chegou a ser implementado, conta Sérgio Piola.

Adicionalmente, as Ações Integradas de Saúde (AIS) de 1986, e os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS) de 1987 marcaram o término do ciclo de ações no âmbito institucional, buscando conferir uma coordenação mais eficaz aos serviços de saúde públicos. No que tange às organizações da sociedade civil, merece destaque a atuação do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO).

Essas propostas e debates foram influenciados pelo ambiente político resultante do início do processo de redemocratização do país, sendo impulsionados por iniciativas pioneiras em municípios que organizaram seus serviços de saúde com base na atenção primária, respaldadas pelas áreas de Medicina Preventiva e Comunitária de diversas Universidades Públicas.

A promulgação de uma nova Constituição em 1988 representou um momento crucial para a incorporação de uma série de ideias que emergiram no contexto de uma reconfiguração do sistema nacional de saúde, inspirada em experiências de sistemas semelhantes já existentes em outros países. Dois eventos fundamentais para solidificar os anseios do Movimento Sanitarista em relação à estruturação de um novo sistema público de saúde foram a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada entre 17 e 21 de março de 1986, e o 1º Congresso Brasileiro de Saúde Pública, promovido pela ABRASCO entre 22 e 26 de setembro de 1986. Neste congresso, foi debatida uma proposta de reformulação do sistema público de saúde, baseada nas diretrizes da 8ª Conferência Nacional de Saúde, proposta que mais tarde seria endossada pela Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CNRS) e levada à Assembleia Constituinte.

 

A prática da Economia da Saúde no SUS

Considerando esta data tão importante, aproveitamos para relacionar a atuação da  Economia da Saúde no SUS. Criada para oferecer ferramentas para otimizar recursos financeiros, embasadas em arcabouço teórico, a Economia da Saúde tem sido aplicada em diversos patamares no sistema. A seguir  estão algumas situações/áreas  em que  ela pode ser utilizada:

 

  • Alocação de Recursos: A Economia da Saúde estuda a alocação eficiente de recursos na área da saúde. Ela pode ser aplicada para avaliar como os recursos são distribuídos no SUS, identificar possíveis ineficiências e propor estratégias para melhorar a utilização dos recursos disponíveis.
  • Avaliação de Tecnologias em Saúde: A Economia da Saúde avalia o custo-efetividade de diferentes intervenções e tecnologias em saúde. Isso é importante para o SUS, pois ajuda a decidir quais tratamentos e procedimentos devem ser priorizados, levando em consideração o custo, a eficácia e os benefícios para a população.
  • Financiamento e Orçamento: A Economia da Saúde também analisa os sistemas de financiamento da saúde. Ela pode ser usada para avaliar a sustentabilidade do financiamento do SUS e propor maneiras de otimizar a arrecadação e a alocação de recursos.
  • Avaliação de Impacto e Eficiência: É possível utilizar métodos econômicos para avaliar o impacto do SUS na saúde da população. Isso inclui a análise de indicadores de saúde, como expectativa de vida, mortalidade infantil e incidência de doenças, e correlacionar esses dados com os investimentos e políticas implementadas pelo SUS.
  • Equidade no Acesso: A Economia da Saúde pode analisar como o SUS contribui para a redução das desigualdades em saúde no Brasil. Ela pode avaliar se o sistema está alcançando os grupos mais vulneráveis da população e propor estratégias para melhorar a equidade no acesso aos serviços de saúde.
  • Avaliação de Políticas de Saúde: A Economia da Saúde pode ser usada para avaliar o impacto de políticas específicas implementadas pelo SUS, como programas de prevenção, campanhas de vacinação, entre outros. Isso ajuda a identificar quais políticas são mais eficazes e merecem investimentos contínuos.
  • Análise de Custos e Eficiência Operacional: A Economia da Saúde pode ser aplicada para analisar os custos dos serviços de saúde e a eficiência dos processos operacionais no âmbito do SUS. Isso inclui a identificação de possíveis gargalos e ineficiências que podem ser corrigidos para melhorar a prestação de serviços.

Em resumo, a Economia da Saúde oferece ferramentas e métodos que podem ser utilizados para analisar, aprimorar e otimizar o funcionamento do Sistema Único de Saúde que é considerado a maior política de inclusão social do Brasil porque promove o acesso universal à saúde, com ênfase na prevenção e atendimento de populações mais vulneráveis, sem discriminação socioeconômica. Ou seja, ele desempenha um papel fundamental na promoção da equidade e na redução das desigualdades em saúde no país. E viva o SUS!

 

 

* A Newsletter Economia da Saúde está em sua 16° Edição e é uma parceria entre a Universidade Federal de Goiás (UFG) com o Ministério da Saúde (MS) por meio do Curso de Especialização em Economia da Saúde da UFG .

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