Texto: Marina Sousa (UFG)
A questão sobre a discricionariedade técnica a ser seguida por um governo versus a crescente demanda por incorporação de novas tecnologias em Saúde tem se mostrado a cada década que passa um desafio constante. Como podemos medir o custo de uma vida saudável? O quanto, como sociedade estamos dispostos a pagar por um benefício em Saúde? Qual deve ser o corte que mede esse benefício e, ele difere a depender da fase da vida ou situação de saúde avaliada? A discussão acerca dessas respostas é o tema do vídeo, com a professora e coordenadora do Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS), Carisi Anne Polanczyk, que aponta alguns fatores que devem ser questionados sobre limiar de custo-efetividade (LCE).
Segundo estudo divulgado por Patrícia Coelho De Soarez e Hillegonda Maria Dutilh Novaes o conceito de “limiar” de custo-efetividade (do inglês threshold) foi proposto originalmente em 1973 por economistas da saúde. Ele é representado por uma razão entre um custo monetário, geralmente expresso em moedas nacionais, por exemplo, o real (R$) no numerador e uma medida de ganho em saúde no denominador. Esse valor deve ser comparado ao resultado de estudos de avaliação econômica (razão de custo-efetividade incremental – RCEI) para orientar as decisões de incorporação de tecnologias em sistemas de saúde. Se uma RCEI estiver abaixo do limiar, a intervenção deveria ser incorporada.
E é justamente essa relação que Carisi Anne Polanczyk comenta no vídeo, visto que o grande ponto de dúvida e onde se encontram a maior parte das tecnologias avaliadas, são as tecnologias que apresentam maior benefício em saúde associado a um custo maior em comparação às tecnologias já disponíveis. Em pouquíssimas avaliações de tecnologias, a escolha pode levar a um cenário em que, há o aumento do benefício clínico, que pode ser mais barato ou cenários em que a tecnologia avaliada traz menos benefícios e que possuem gastos mais elevados em relação à tecnologia disponível. Carisi Polanczyk ainda reforça o fato de que se um país tem alta renda, consequentemente, maior será a disponibilidade de recursos para investir em saúde – o seja – acaba tornando a definição do cálculo limiar de custo-efetividade muito mais benéfico para a população local (maior disposição a pagar por benefício em saúde), do que comparado a um país que não tem a sua disposição tantos recursos financeiros, tornado assim, o quadro muito mais complicado. As tomadas de decisão a respeito de serviços de saúde são muitas vezes advindas de parcos recursos, e o que deve-se ser levado sempre em consideração é o quanto pode ser oferecido à população considerando o bem-estar social.
Veja a seguir o vídeo abaixo com a médica e coordenadora do IATS, Carisi Anne Polanczyk sobre limiar de custo-efetividade
Como é na prática
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o limiar de custo-efetividade poderia ser baseado no PIB per capita do país e na estimativa do valor econômico de um ano de vida saudável. Recentemente, no mês de agosto de 2022, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) do Ministério da Saúde (MS) aprovou uma recomendação final sobre o uso de limiar de custo-efetividade (LCE) nas decisões em saúde, que agora passa a ser adotado como mais um critério para a avaliação de tecnologias em saúde (ATS). Ou seja, o relatório passa a estabelecer um custo-efetividade na inclusão de novos medicamentos, procedimentos e exames clínicos.
A equipe técnica da Conitec realizou oficinas com rodadas de discussão pautadas nos princípios do método Delphi que embasou o relatório em estudos da Argentina e Reino Unido, que estipula um limiar de custo-efetividade para as tecnologias incorporadas de certa forma estipula um teto de gastos para tratamento médico. Ficou estabelecido que no Brasil, a faixa monetária seria de R$35 – 40 mil por benefício em saúde, como unidade máxima de referência, o que significa que para incorporação de um novo tratamento – o valor máximo pago por benefício em saúde adicional em relação ao tratamento já oferecido deve estar dentro desse valor. No casos de doenças raras o relatório propõe uma flexibilização de até três vezes o limiar, o que corresponde ao valor de R$120 mil, por cada ano de vida ajustado para qualidade, se a referência for de um PIB per capita. Mas a própria recomendação da Conitec traz que o limiar de custo-efetividade não deve ser um parâmetro isolado dos demais fatores envolvidos na discussão que incluem outros critérios. Dessa forma, a recomendação sobre a incorporação de uma tecnologia pode ser favorável, mesmo em um cenário com ICER maior que o limiar, ou desfavorável mesmo que a tecnologia esteja dentro do limiar se outros critérios pautaram a decisão.
O relatório de LCE pode ser conferido AQUI .
Carisi Anne Polanczyk também é Professora Adjunto Departamento Medicina Interna Programa de Pós-graduação Medicina Cardiologia e Epidemiologia da UFRGS e também compõem o quadro de docentes do curso de Especialização em Economia da Saúde da Universidade Federal de Goiás (UFG).