O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde determinado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem um caráter taxativo, isto é, define o que as operadoras de planos de saúde devem obrigatoriamente oferecer aos seus beneficiários. A base metodológica para definição de quais tecnologias e procedimentos serão cobertos é a área do conhecimento denominada Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS).
Os exemplos de sistemas de saúde exitosos têm em comum o uso da ATS como política de saúde, para oferecer acesso aos usuários, com qualidade assistencial e sustentabilidade. ATS é um processo multidisciplinar que utiliza métodos para determinar o valor de uma tecnologia em saúde, em diferentes pontos no seu ciclo de vida, com o objetivo de informar tomadores de decisão para promover um sistema de saúde de alta qualidade, eficiente e equitativo. O valor da tecnologia é avaliado em diferentes dimensões, ao se examinar as consequências diretas e indiretas da utilização da tecnologia em saúde em comparação com alternativas existentes no sistema. Estas dimensões incluem avaliação da efetividade clínica, segurança, custos e implicações econômicas, éticas, sociais, culturais e legais, aspectos organizacionais e ambientais, assim como implicações amplas para os pacientes, familiares, cuidadores e população [1].
A ATS representa a aplicação do modelo da Prática Baseada em Evidências (historicamente chamada de Medicina Baseada em Evidências) [2] no âmbito de decisões sobre o cuidado em saúde ao nível de sistemas de saúde. Utiliza métodos sistemáticos, formais e transparentes para identificação e qualificação das melhores evidências disponíveis sobre a tecnologia quanto à sua eficácia, efetividade, segurança e validade, associados à avaliação formal da relação entre custos e consequências da adesão à uma tecnologia alternativa a opções vigentes através de estudos econômicos (de avaliação da custo-efetividade, custo-utilidade e custo-benefício).
A temática de incorporação e cobertura de tecnologias em saúde é um tópico de grande e crescente interesse internacional, com diversos países desenvolvendo ações específicas voltadas para esse tema [3] [4]. O surgimento exponencial de novas tecnologias, com custos cada vez maiores, impede que as mesmas sejam incorporadas automaticamente e ofertadas conforme a necessidade e/ou o desejo de cada cidadão individualmente, mesmo em países com maior desenvolvimento socioeconômico. Essas novas tecnologias muitas vezes apresentam resultados de eficácia heterogêneos, ganhos marginais em saúde e escassez de dados de vida real, o que dificulta os julgamentos de sua custo-efetividade.
O Comitê Permanente de Regulação da Atenção à Saúde (Cosaúde) da ANS, de caráter consultivo, instituído pela Instrução Normativa — IN nº 44/2014, foi estabelecido com a finalidade de analisar as questões pertinentes à cobertura assistencial obrigatória a ser assegurada pelo rol e para estabelecer um diálogo permanente com os agentes da saúde suplementar e a sociedade sobre as questões da regulação da atenção à saúde na saúde suplementar. Vale ressaltar que o Cosaúde utiliza a ATS para cumprir sua tarefa institucional na definição do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
Outro ponto crítico para sustentabilidade do Sistema de Saúde Suplementar é a necessidade de priorização na incorporação de tecnologias. A priorização em saúde, por meio de mecanismos explícitos, é um conceito relativamente novo que começou a ser discutido na década de 80. Nasce da necessidade dos sistemas de saúde definirem quais tecnologias deveriam ser financiadas com os recursos escassos e disponíveis, de modo a beneficiar o maior número possível de pessoas [5]. A priorização explícita pode ser definida como uma estratégia de apoio às decisões de cobertura de forma sistemática, técnica e transparente, envolvendo todas as partes interessadas e levando em consideração os valores da sociedade [6].
A discussão em curso sobre a possibilidade de mudar o caráter taxativo para exemplificativo do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS coloca em risco a existência da ATS no Sistema de Saúde Suplementar. O hipotético rol exemplificativo estará à mercê de escolhas discricionárias, que não necessariamente estarão embasadas nas melhores evidências científicas. Este cenário pode significar risco para os pacientes de exposição a tecnologias com problemas de segurança e efetividade. Além dos problemas de segurança, a falta de previsibilidade da cobertura assistencial pode comprometer a sustentabilidade do sistema para a coletividade. A manutenção do rol taxativo é a forma de oferecer “o cuidado certo, para o paciente certo, no lugar certo”.
Referências:
[1] O’Rourke B, Oortwijn W, Schuller T; International Joint Task Group. The new definition of health technology assessment: A milestone in international collaboration. Int J Technol Assess Health Care. 2020 Jun;36 (3):187-190. doi: 10.1017/S0266462320000215. Epub 2020 May 13. PMID: 32398176.
[2] Sackett DL, Rosenberg WMC, Gray JAM, Haynes RB, Richardson WS. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t. British Medical Journal Publishing Group; 1996.
[3] The European Network for Health Technology Assessment (EUnetHTA) Disponível em: https://eunethta.eu/ Acesso em 05 de Junho de 2022.
[4] The International Network of Agencies for Health Technology Assessment (INAHTA) Disponível em: https://www.inahta.org/ Acesso em 05 de Junho de 2022.
[5] Giedion, Úrsula, Muñoz, Ana Lucía, Ávila, Adriana (2012). Introducción a la Serie de Priorización Explicita en Salud, in Serie de Notas Técnicas sobre Procesos de Priorización de Salud. Banco Interamericano de Desenvolvimento, Washington, DC (IDB TN 397).
[6] Sourdis, Catalina, Giedion, Ursula, Muñoz, Ana Lucía, Ávila, Adriana (2012). Procesos de Priorización Explícita en Salud: un enfoque sistémico, in Serie de Notas Técnicas sobre Procesos de Priorización de Salud. Banco Interamericano de Desenvolvimento, Washington, DC (IDB TN 407).
Por Denizar Vianna
Fonte: https://www.conjur.com.br/2022-jun-06/denizar-vianna-qualidade-sustentabilidade-saude-suplementar