A Crise: Economia da Saúde ou Saúde da Economia?

O Brasil destina atualmente em torno de 7,5 a 8% do seu PIB para o sistema de saúde – cerca de 3,5% para o Sistema Único de Saúde (SUS) e 4% para o Sistema Suplementar. Recentemente em artigo publicado no British Medical Journal foi ressaltado o desafio que países em desenvolvimento, como o nosso, enfrentam. Os recursos destinados ao sistema de saúde são parcos. Proporcionalmente correspondem ao que países desenvolvidos investiam na década de 80 do século passado. O que é pior: são investimentos escassos para atender a problemas correspondentes aos do primeiro mundo na década de 70.

Nossos indicadores de saúde, mortalidades infantil e materna, expectativa de vida, entre outros, apesar de expressarem uma melhora progressiva nas últimas décadas, ainda correspondem aos de países desenvolvidos há cerca de 40 anos. Importante ressaltar que o SUS está potencialmente disponível ou se propõe a atender os quase 190 milhões de brasileiros, enquanto o sistema suplementar restringe-se a aproximadamente 40 milhões de cidadãos. Ainda, cerca de 80% dos que têm o direito de acesso e uso da saúde privada o fazem através de planos coletivos vinculados ao emprego.

A crise econômica mundial irá afetar o sistema de saúde de diversas formas. Primeiro porque o custeio e o investimento da rede dependem anualmente dos recursos gerados pela nação (PIB). Obviamente se há diminuição no crescimento do PIB, em um ambiente em que a inflação de gastos do sistema de saúde tem sido superior à inflação geral, a perspectiva desta redução do crescimento econômico imporá grandes desafios para o financiamento. É mais um complicador na busca de necessidades e expectativas de atenção e assistência à saúde.

Aliás, a potencial redução do crescimento do PIB para um país como o nosso é muito mais perversa do que a recessão da economia em países desenvolvidos. Os potenciais impactos da crise serão a redução da obtenção do crédito (financiamento) que limitará a velocidade de atualização do parque tecnológico, bem como restringirá as iniciativas em pesquisa, desenvolvimento e inovação de produtos e serviços em saúde. Outro problema será a redução do nível de emprego e a conseqüente perda do direito de uso do sistema suplementar. Aos desempregados restará uma única opção, a utilização do sistema público, ampliando a demanda ainda mais, num momento de redução relativa de recursos.

Considerando-se o custeio do Estado, a contratação de recursos humanos na quantidade e com a qualificação necessárias será um desafio e terá de ser muito criteriosa. No sistema de saúde, a presença de quadros desqualificados, além de risco à própria vida, impõe importante desperdício de recursos. Nesse panorama, o Estado possivelmente terá dificuldades para lidar com ajustes e reajustes em tabelas de honorários, já defasados há anos, o que estimula condutas perversas e injustificáveis.

Por se tratar de um setor no qual uma considerável parcela dos insumos, como medicamentos e equipamentos, ainda é importada, uma desvalorização do real significa maior custo de aquisição destes produtos. Portanto, maior custo para o sistema de saúde. A relativa redução do financiamento de outros setores da economia – saneamento básico, transporte, segurança pública, educação, habitação, entre outros, também influenciará de forma negativa o sistema; ou seja, implicará em um potencial risco e agravo adicional à própria saúde do cidadão.

Além da angústia econômico-financeira sistêmica e familiar que a crise tende a agravar, o planejamento da saúde e a gestão dos escassos recursos neste ambiente impõem decisões difíceis. O sistema, por ser complexo, requer escolhas balanceadas entre a satisfação das necessidades e desejos de curto-prazo e ações que possam ser orientadas e justificadas para o médio e longo-prazo.

Tão mais importantes e sentidas serão as repercussões para o sistema de saúde quanto mais intensa e prolongada for a crise econômica mundial. As ações do governo assumem papel de extrema relevância, uma vez que, acima de tudo, há o risco de uma crise de confiança.

Aos nossos governantes cabe a sensibilidade de uma ação rápida e enérgica para reativar a economia: a redução da taxa de juros, bem como o alívio da carga tributária para o setor saúde são decisões fundamentais que certamente não imporão perdas ao governo e à sociedade.

Aos líderes e gestores do sistema cabe definir as reais prioridades e gerir o escasso recurso da forma o mais eficiente possível. Não há espaços para desperdícios. Entre vários desafios, precisamos reconhecer que não há árvore do dinheiro e evitar colocar a Ferrari (tentação de consumo) no off-road (locais com infra-estrutura deficiente).

Ao se pensar no longo-prazo, num mundo cada vez mais competitivo, é importante ressaltar que sem um cidadão minimamente educado e saudável, o desenvolvimento e crescimento econômico sustentável estarão seriamente ameaçados.

Marcos Bosi Ferraz – Professor e Diretor do CPES / UNIFESP, Diretor de Economia Médica da Associação Médica Brasileira, Autor do livro “Dilemas e Escolhas do Sistema de Saúde”

 

Fonte: https://www.crmpr.org.br/A-Crise-Economia-da-Saude-ou-Saude-da-Economia-13-706.shtml

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